Apreciações acerca de uma criação enigmática

Luís Edegar de Oliveira Costa, 1992

Para percebermos as esculturas de Daniel Acosta, na dimensão do real revelado, a impressão inicial é a de um silêncio necessário a sua interpretação e por elas mesmas sugerido. Isto porque, de sua elaboração formal, emana uma sonoridade litúrgica, captada através desta audição-visão que nos permite abarcar um certo caráter hierático que as anima, tornando consoante à dimensão humana aquilo que estaria para além do humano, numa contigüidade presente na própria escala projetada para as obras. Sintonia paradigmática, solidão conotativa, silêncio observador de onde sobrevém as referências que nos permitirão significá-las. Paradoxalmente, os significados que poderíamos abstrair a síntese formal contida nas esculturas de Daniel, parecem ser presas de um deslocamento que os desreferencializa dos significantes costumeiros.


Algumas obras suas são formuladas a partir de uma iconografia que nos remete à cenografia do ritual religioso ocidental, ou a um design que se esquiva de perseguir uma utilização funcional. Criação enigmática surpreendente na sua inadequação aos limites das possíveis asserções a que nos reportam. Momentânea supressão da apreciação conceitualizadora, que reduz as obras a termos cuja polissemia compromete uma interpretação possível. Inserção no interior de uma postura formal, que na ordenação dos elementos, os quer fixados a uma interpretação universal, absolvendo, no entanto, a subjetividade do sujeito-intérprete, cujos significados imprimem a criação uma organicidade que lhe é vital. A cadência linear construída pelas protuberâncias, pelos vazios, pelas arestas curvilíneas que não seccionam o olhar, ordenam as formas tridimensionais mostradas, imprimindo-lhes uma similaridade harmônica, enriquecida pelo contraste dos eixos horizontal/vertical que as dominam; pela densidade diversa da matéria tensionada, perscrutada nos seus espaços cheios e vazios; na simetria de suas reentrâncias e saliências; nas fendas que resultam das junções das partes que irão compor a unidade final da obra, semantizando o em torno desenhado por ela. O olhar surpreendido restaura-se então nestes artefatos, revelado pela incógnita do descentramento, operado por uma artesania habilidosa cuja execução denuncia sua passagem pela matéria, territorializando o universo das vivências do sujeito sob a ótica do sensível, revitalizando o processo de criação de objetos artísticos.


Texto publicado originalmente em 1992 por ocasião de exposições no Projeto Macunaíma/FUNARTE/RJ  e Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo (Vergueiro).